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Nome Morto: os desafios da retificação de documentos de pessoas trans
06 DE ABRIL DE 2022
Depois da retificação da certidão de nascimento, pessoas trans relatam dificuldades em fazer as instituições esquecerem seus antigos nomes
Só aos 29 anos a empresária Gabriela Augusto conseguiu comemorar uma conquista que para a maioria das pessoas cisgênero (que se identifica com o gênero atribuído no nascimento) não é um problema cotidiano: o direito ao nome. “Na Faculdade de Direito eu aprendi que ele é algo absoluto, ilimitado, imprescritível e inexpropriável. Bonito, né? É parte do que chamam de “direitos da personalidade”, que tem relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana”, escreveu em uma postagem feita nas redes sociais, exibindo orgulhosa sua certidão de nascimento com o nome retificado. Para pessoas trans, fazer empresas, instituições e até pessoas do círculo social esquecerem o chamado “nome morto”, é um processo doloroso e que pode durar muito tempo.
‘’O nome cada vez mais começou a se tornar um problema cotidiano pra mim”, conta a empresária que começou, no final de 2021, a busca pelos documentos para conseguir a tão sonhada retificação. Nessa etapa, ela começou a enfrentar uma série de situações que a constrangeram, como a dificuldade de embarcar em um avião: o teste de Covid, obrigatório na época, estava com o nome social e o cartão de embarque com o nome de registro. Ela narra que também já teve que riscar o nome no cartão de crédito , pois sempre que enviavam um novo, esqueciam de colocar o nome social. Todos esses motivos levaram a mulher a acionar sua equipe jurídica para auxiliá-la no processo.
“Somos iguais, sim, na nossa dignidade, mas temos o direito de ser diferentes em nossa pluralidade e nossa forma de ser”, falava a então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, ao votar a favor da retificação dos documentos de registro civil de pessoas trans, em 2018, dando a possibilidade de que pessoas trans e travestis, com idade acima de 21, possam retificar sua certidão, ou seja, mudar informações como, nome e gênero, de acordo com a sua auto identificação.
A decisão rompe com o pensamento binário de que para ser uma pessoa trans ou travesti é necessário passar por procedimentos estéticos e cirúrgicos, o que não é, já que a disforia de gênero não está presente em todos corpos trans. A decisão do STF também reafirma a existência do grupo, ao ter o nome com o qual se identificam registrado e reconhecido legalmente. Um ano depois da decisão dos ministros, cerca de 2.022 pessoas já teriam retificado o nome em algum cartório do Brasil.
Porém os desafios continuam a existir. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), há muitos relatos de pessoas trans que tiveram seus pedidos de retificação negado.E são muitos os documentos necessários para que uma pessoa consiga “mudar de nome”: certidão de nascimento, RG, CPF, título de eleitor, comprovante de endereço, certidão de distribuidor cível, certidão de distribuidor criminal, certidão de execução criminal, e para quem tiver, CNH, certidão de casamento, certificado de reservista e passaporte. Alguns desses documentos podem levar um tempo para serem emitidos pelo cartórios, outros tem prazo de validade, logo retificar a certidão demanda uma estratégia.
Para Gabriela o processo foi “tranquilo”. Isso porque ela contou com uma equipe que a auxiliou na emissão dos documentos necessários. A nova certidão ficou pronta em poucas semanas e ela era tratada pelo nome social pela equipe do cartório mesmo durante o processo. Agora, o desafio é atualizar todos os seus dados cadastrais registrados em outros serviços, etapa que não estava muito clara para ela.
Ação na Justiça
O economista Páris Antônio Estevan, 27, de Barueri, São Paulo, retificou sua certidão no começo de 2020. O rapaz comemora a sorte que teve por ter nesse processo o apoio da Casa 1, um centro de acolhimento e cultura LGBTQIA+ de São Paulo, onde era voluntário. Não fosse esse apoio, o processo seria ainda mais moroso e caro.
Por causa da pandemia de Covid-19, que suspendeu o atendimento em cartórios e outros órgãos do governo, a emissão e atualização dos documentos necessários demorou mais de 6 meses. Mas o maior problema ainda estava por vir. Páris foi atualizar seus dados nas instituições bancárias e se deparou com a transfobia nas instituições.
Mesmo com todos os documentos atualizados com o nome social, o sistema do banco em que precisou abrir uma conta-salário “ressuscitava” o seu nome morto. Com a demora para resolver esse problema, ele decidiu mover uma ação contra o banco. Mas três dos seis bancos que ele tinha conta ativa também não quiseram atualizar o cadastro ignorando o nome morto. “Foi um desgaste físico e mental. Fora o tempo que eu precisei perder para mover as ações contra os bancos”
Ao procurar uma advogada para se consultar e entender melhor o’que fazer legalmente o economista se deparou com uma informação que o entristeceu, a possibilidade do “nome morto’ de Páris aparecer em outros documentos é alto, pois órgãos como do Ministério da Fazenda não apagam o antigo nome, apenas o substitui.
Direito ao Esquecimento
O direito ao esquecimento é um debate que permeia a população trans retificada. O conceito nasceu nos Estados Unidos e foi evoluindo com o tempo. No Brasil existem bons exemplos do direito ao esquecimento, mas na esfera trans e travesti existem poucos relatos sobre o assunto. Mas fica claro que o direito ao esquecimento é uma ferramenta de dignidade: “Como ser livre carregando correntes tão pesadas?” considera Páris.
Como atualizar os documentos?
Atualizar os dados nos documentos, bancos e órgãos do governo é um desafio, a ONG Poupa Trans, entendendo essa demanda criou em parceria com a Casa 1 a cartilha “Retifiquei, e agora?” , com o passo a passo para pessoas trans e travestis atualizarem seus dados.
Fonte: Portal Terra
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